STF começa o julgamento histórico do primeiro réu dos ataques golpistas de 8 de janeiro

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STF começa o julgamento histórico do primeiro réu dos ataques golpistas de 8 de janeiro
O relator, ministro Alexandre de Moraes, pediu pena de 17 anos para Aécio Lúcio Costa Pereira por crimes como golpe de Estado e associação criminosa. STF começa o julgamento histórico do primeiro réu dos ataques golpistas de 8 de janeiro

Jornal Nacional/ Reprodução

O plenário do STF - Supremo Tribunal Federal começou a julgar o primeiro réu das centenas de acusados de participação nos ataques golpistas de 8 de janeiro, em Brasília. O relator, ministro Alexandre de Moraes, pediu pena de 17 anos de prisão para Aécio Lúcio Costa Pereira por cinco crimes - como golpe de Estado e associação criminosa.

O ministro Kassio Nunes Marques também votou nesta quarta-feira (13) e defendeu uma condenação menor, somente por dois crimes ligados à destruição do patrimônio público.

Foram oito meses de investigações até o julgamento. O relator, ministro Alexandre de Moraes, começou fazendo um balanço dos trabalhos até agora. Lembrou as palavras da presidente da Corte, ministra Rosa Weber, em defesa da democracia ao abrir o ano do Judiciário três semanas após os atos golpistas às sedes dos Três Poderes, e leu um resumo das investigações contra Aécio Lúcio Costa Pereira, preso desde o dia 8 de janeiro.

Em seguida, o subprocurador Carlos Frederico Santos, coordenador do grupo da Procuradoria-Geral da República criado para combater os atos antidemocráticos, pediu a condenação do réu por cinco crimes:

abolição violenta do Estado Democrático de Direito;

associação criminosa armada;

golpe de Estado;

dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima,

além de deterioração de patrimônio tombado.

Carlos Frederico Santos lembrou que a escalada da violência que culminou no 8 de janeiro começou após as eleições presidenciais, com bloqueios de estradas, o ataque à sede da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula, e a frustrada tentativa de explodir um caminhão-tanque nos arredores do aeroporto da capital.

O subprocurador ressaltou que não era necessário detalhar as ações de cada um dos réus porque as acusações foram baseadas na tese de crimes praticados por uma multidão, que definiu como turba violenta e antidemocrática, agindo de forma igual e coletivamente. Carlos Frederico Santos lembrou, ainda, que os ataques foram programados para destituir um governo legitimamente eleito.

"O Ministério Público Federal não tem que descrever a conduta de cada um dos executores do ato criminoso, mas o resultado dos atos praticados pela turba, não se fazendo necessário descrever quem quebrou uma porta, quem quebrou uma janela ou quem danificou uma obra de arte, porque responde pelo resultado a multidão, a turba, aquele grupo de pessoas que mantiveram um vínculo psicológico na busca de estabelecer um governo deslegitimado e inconstitucional. É importante registrar também que o Brasil há muito deixou de ser uma república das bananas e hoje goza de prestígio internacional das grandes democracias. Golpe de Estado é uma página virada na nossa história", afirmou o subprocurador Carlos Frederico Santos.

Ao pedir a condenação, Carlos Frederico lembrou a quantidade e consistência das provas.

"O acervo probatório é robusto e traz elementos que permitem concluir, acima de qualquer dúvida razoável, que Aécio se associou criminosamente aos demais indivíduos para, armados, buscar atentar contra o Estado Democrático de Direito, depor o governo legitimamente eleito e danificar bens públicos e patrimônio protegido", disse.

Antes de começar sua argumentação em favor do réu, o advogado de defesa, desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, criticou a decisão da manhã desta quarta-feira (13), da Corregedoria Nacional de Justiça, de quebrar o sigilo bancário dele. O objetivo é apurar se o advogado incitou atos golpistas enquanto estava na magistratura. Sebastião afirmou que a medida queria intimidá-lo e negou ter cometido qualquer irregularidade.

Sobre o réu, o advogado de defesa disse que não ficou comprovado que Aécio participou da destruição do patrimônio público; que não recebeu ou fez pagamento para participar dos atos golpistas.

"Não há, nos autos, nenhuma prova que Aécio tenha recebido um centavo de qualquer pessoa, que tenha passado um centavo para qualquer pessoa", disse.

E argumentou que não houve intenção de dar um golpe por parte de ninguém.

"Tentar dar o golpe de Estado sem arma? As armas que nós temos aqui nesse processo são canivetes, bolinhas de gude, machado... É isso, são as armas para o golpe de Estado. Houve o impedimento de funcionamento dos Poderes? Qual Poder deixou de funcionar por conta da ação que houve nesse prédio, nos demais prédios? Esse Supremo Tribunal Federal estava em recesso, o Congresso estava em recesso, o presidente da República no dia seguinte fez reunião com vossas excelências lá no Palácio do Planalto, saíram todos, caminharam até aqui esse Supremo. Não houve um só dia em que os Poderes não funcionaram. Nem um só dia", afirmou Sebastião Coelho da Silva.

Depois da palavra da defesa, o relator ministro Alexandre de Moraes começou a votar, ressaltando a gravidade dos fatos de 8 de janeiro. Moraes afirmou que não existe liberdade de manifestação para atentar contra a democracia e reafirmou a tese de que houve crime de multidão.

"Um agente acaba induzindo, instigando, o outro. E as condutas vão sendo praticadas pela turba, pela multidão, por isso também é chamado de crime de multidão. Isso é pacificado no Direito Penal. Houve dolo, uma clara intenção de realização, invasão criminosa no caso dos autos, no Senado Federal, invasão criminosa no Congresso se dirigindo ao Senado Federal, para tomada ilícita de poder, via intervenção militar, pleiteando uma intervenção militar, com a queda do governo democraticamente eleito, e para isso utilizando de violência", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.

Em diversos momentos do voto, apresentou vídeos e fotos dos ataques. Como os explosivos colocados ao lado de um caminhão-tanque perto do Aeroporto de Brasília, as convocações para os atos golpistas, as faixas com ataques à democracia e aos Poderes no acampamento em frente ao QG do Exército e imagens abundantes dos golpistas destruindo os prédios.

"Atos criminosos, atentatórios à democracia, atentatórios ao Estado Democrático de Direito por uma turba de golpistas que pretendiam uma intervenção militar para derrubar um governo democraticamente eleito em 2022. Vejam, armados com pedaços de ferro, armados com pedaços de pau, destruindo quadros, destruindo o patrimônio público. Não há nada de pacífico nesses atos. São atos criminosos", disse o ministro do STF.

Ao longo do voto, Alexandre de Moraes mencionou os acampamentos golpistas em frente aos quartéis e afirmou que o objetivo era instigar uma atuação fora da lei das Forças Armadas. Moraes ressaltou, contudo, que Exército não aderiu ao que chamou de "devaneio golpista".

"O fato de eventuais militares terem participado de ações golpistas e estarem sendo investigados não macula uma verdade histórica que deve ser aqui proclamada: o Exército brasileiro não aderiu a esse devaneio golpista de vários, inclusive políticos que estão sendo investigados", afirmou.

Moraes detalhou a cadeia de ações dos invasores que comprova a intenção de provocar um golpe de Estado.

"Estavam aqui com uma finalidade golpista, de derrubar o governo, de acabar com a democracia, de pedir intervenção militar e de destruir a sede dos Três Poderes. E houve apreensão de material gráfico com instruções, foram montadas depois barricadas para impedir acesso das forças policiais que foram chamadas. Utilizaram-se de mangueiras para jogar água contra os policiais. E tudo impulsionados uns pelos outros, exatamente o que ocorre em crime de autoria coletiva. O induzimento e instigação e a execução coletiva sempre com uma finalidade, que era derrubar o governo eleito e o clamor doentio por uma intervenção militar", declarou Moraes.

Sobre a conduta do réu, o relator afirmou que não há dúvida do cometimento dos crimes, já que Aécio confessou ter participado de um grupo golpista. Moraes afirmou, ainda, que o réu usava uma camiseta pedindo intervenção militar e fazia parte de uma organização criminosa. Citou também os vídeos que Aécio postou durante a invasão, quando incentivou os atos golpistas.

"Está comprovado pelo teor de seu interrogatório, pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, pelas conclusões do interventor federal, na sequência do grupo se dirigindo até a invasão dos prédios, pelos próprios vídeos produzidos pelo réu e outros elementos informativos que Aécio Lucio Lopes Costa Pereira integrava grupo autodenominado de patriotas que buscava, em claro atentado à democracia e ao Estado de Direito, a realização de um golpe de Estado com a decretação de intervenção federal", afirmou o ministro do Supremo.

Alexandre de Moraes também rebateu a posição da defesa de que, como o golpe de Estado não se concretizou, não haveria crime.

"Por mais ridículo que pareça, eu preciso fazer um esclarecimento, porque são tantos absurdos que se ouve que, às vezes, o básico é necessário ser esclarecido. Várias pessoas defendendo que esse crime não ocorreu porque não conseguiram dar o golpe de Estado. Ora, não existe crime de golpe de Estado porque se tivessem dado o golpe de Estado, na verdade, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá o golpe de Estado não é julgado, porque ganhou na violência o que democraticamente perdeu", afirmou Alexandre de Moraes.

Por fim, Alexandre de Moraes votou para condenar Aécio Lúcio Costa Pereira pelos cinco crimes litados pela PGR. Fixou o tempo total da pena em 17 anos, sendo 15 anos e 6 meses em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto. Além do pagamento de 100 dias-multa, o equivalente a R$ 44 mil.

Alexandre de Moraes votou para condenar Aécio Lúcio Costa Pereira pelos 5 crimes litados pela PGR

Jornal Nacional/ Reprodução

O ministro revisor, Kassio Nunes Marques, abriu divergência. Condenou o réu por dano qualificado e deterioração do patrimônio público, mas votou por absolvê-lo das acusações de associação criminosa, golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito porque, segundo o ministro, o grupo era descoordenado e não tinha meios para, de fato, dar um golpe.

"As lamentáveis manifestações ocorridas no dia 8 de janeiro de 2023, apesar da gravidade e do vandalismo, não tiveram alcance de consistir em uma tentativa de abolir o Estado de Direito. Um grupo difuso e descoordenado de manifestantes não teria qualquer condição de atuar no sentido da consecução desse crime. A realização de atos de vandalismo com o objetivo de desencadear uma intervenção militar constituiu, segundo penso, um expediente completamente inapto do alcance do objetivo almejado pelos manifestantes", disse o ministro.

Kassio Nunes Marques votou por fixar a pena total em 2 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial aberto, além de 60 dias-multa – R$ 26,4 mil.

O julgamento foi suspenso no início da noite desta quarta-feira (13) para ser retomado na manhã de quinta-feira (14), quando vão ser ouvidos os outros ministros da Corte. O primeiro a votar será Cristiano Zanin.

Kassio Nunes Marques votou por fixar a pena total em 2 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial aberto, além de 60 dias-multa – R$ 26,4 mil

Jornal Nacional/ Reprodução