Mãe dedica mandato a Isabella Nardoni: "O nome dela é o que me elegeu"

São Paulo – Segunda vereadora mais votada da capital paulista em 2024, Ana Carolina Oliveira (Podemos), de 40 anos, fará sua estreia na política, mas não na vida pública.

Mãe dedica mandato a Isabella Nardoni:

São Paulo – Segunda vereadora mais votada da capital paulista em 2024, Ana Carolina Oliveira (Podemos), de 40 anos, fará sua estreia na política, mas não na vida pública. Conhecida por ser a mãe de Isabella Nardoni, assassinada em 2008, dedica o mandato à filha ao abraçar como principal causa o combate à violência infantil e evita se rotular de direita ou esquerda, apesar de integrar um partido da base do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

"Hoje as pessoas conhecem a Ana Carolina Oliveira, mas nunca vou deixar de ser a mãe da Isabella", diz Ana Carolina, em entrevista ao Metrópoles.

A vereadora, eleita com 129.563 votos, recebeu a reportagem na manhã dessa terça-feira (21/1) em seu recém-ocupado gabinete na Câmara Municipal, com vista para o Viaduto Jacareí, no centro. O endereço ainda a surpreende: "Tudo na minha vida se transformou em 2024".

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Em agosto de 2023, conta, passou a ser procurada por famílias que buscavam meios de denunciar relatos de violência. Na ocasião, a Netflix havia acabado de lançar um documentário relatando detalhes do crime contra a sua filha, que morreu aos 5 anos, após ter sido atirada pela janela do apartamento onde viviam o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá. Dos pedidos, diz, surgiu a ideia de atuar para ajudar essas famílias.

Durante o processo de amadurecimento da ideia, e até durante a campanha, diz que conversou com outros pais de vítimas de crimes hediondos que ingressaram na política, como a ex-deputada Keiko Ota, que também concorreu a vereadora pelo Podemos nestas eleições, e Leniel Borel, eleito vereador no Rio de Janeiro pelo PP. Keiko é mãe de Ives Ota, sequestrado e assassinado aos 8 anos, em 1997, e Borel é pai de Henry Borel, morto aos 4 anos, em 2021.

Eleita na base governista de Nunes, Ana Carolina diz que pode votar contra pautas do prefeito se não forem do seu interesse e diz que o apoiou no segundo turno porque o adversário dele, o deputado federal Guilherme Boulos (PSol-SP) foi contra o veto à saidinha, medida que beneficia Nardoni, condenado pelo assassinato de Isabella.

"Acho um absurdo existir essa lei da saidinha. A partir do momento em que um criminoso comete o crime, ele precisa pelo menos cumprir a pena em sua totalidade e em regime fechado", afirma.

Confira a entrevista completa de Ana Carolina Oliveira ao Metrópoles:

A senhora vem de uma trajetória que transformou a dor em luta. Por que decidiu se candidatar a vereadora depois de 16 anos do assassinato da sua filha?

Eu venho de uma trajetória corporativa, sempre fui uma funcionária CLT. Acho que hoje todos conhecem a história de como surgiu a Ana Carolina, mas em 2023, com o lançamento do documentário [da Netflix, sobre o caso Isabella Nardoni], acho que a minha vida realmente se transformou no sentido de que as pessoas puderam me ver e conhecer mais profundamente a minha história. A decisão do documentário foi difícil de se tomar, de expor tudo isso, e essa exposição toda de quase 16 anos atrás voltou. Então, eu abri a minha rede social, as pessoas puderam conhecer um pouco mais da Ana Carolina, as minhas ideias, opiniões, os meus objetivos.

Continuei a minha trajetória como bancária até março do ano passado. Eu não tinha pretensões políticas, mas as demandas foram vindo e as coisas foram acontecendo. Foi uma demanda de ajuda, de gente que se identificou com a causa e aí surgiram convites de diversos partidos e vi que talvez fosse um momento de idade, de maturidade e tive o entendimento de que todo o processo que eu passei poderia ser uma oportunidade para dar voz para que as pessoas fossem ouvidas.

Quais demandas começaram a chegar?

Casos de agressão contra as mulheres, de crianças abusadas, de pessoas ou famílias que perderam seus entes queridos, seus filhos, e não conseguem ver a justiça ser feita. Elas enxergam que eu tive essa justiça, que o caso da minha filha teve esse julgamento. As pessoas querem isso e muitas não são ouvidas, muitas têm casos que prescreveram, mas elas continuam com essa busca.

Muita gente não entende, mas o nosso familiar, a pessoa que está no nosso seio familiar, é importante para nós, mesmo que não seja importante para o outro. É isso o que eu acho que as pessoas buscam: serem ouvidas. Muitas vezes, os órgãos competentes, a própria justiça não faz a sua parte. Os casos chegam, são milhares todos os dias, e o meio jurídico trata como só mais um, mas a minha filha não é só mais um caso para mim ou para outra mãe que perdeu o seu filho. Essas demandas começaram a chegar diariamente e eu buscava um meio de ajudar, mas não só com a minha palavra.

Essa decisão de entrar para a política surgiu após esse documentário ou era um objetivo antigo?

Não, a política não era um objetivo. Foi depois dessa demanda, que veio com o documentário, que eu vi o quanto as pessoas se identificavam e que talvez eu poderia ter um meio de ajudá-las. Talvez só com a minha voz, com a minha imagem, eu não conseguisse chegar onde eu gostaria para ajudar as pessoas. A política foi o meio que eu encontrei. As coisas se casaram: o convite e o momento em que eu estava mais vista. Foi realmente a forma que encontrei de poder ser mais efetiva e ajudar as pessoas, que era o que eu já tinha de ideia para mim como carreira quando eu decidi sair do banco. A minha ideia era poder encontrar formas de ajudar as pessoas por meio da minha imagem, da figura da Ana Carolina.

A senhora falou de vários partidos, consegue citar alguns? Por que escolheu o Podemos?

Quanto ao partido, prefiro não ser tão explícita, porque acho que hoje não muda nada. Mas, sobre a minha escolha pelo Podemos, eu me identifiquei com o partido no sentido de poder seguir o que eu pensava, o que eu acreditava. Eles me deram total liberdade para que eu seguisse o meu caminho, a minha trajetória. Acho que o resultado das eleições veio também por conta disso. Eu consegui esse apoio e estava em um partido no qual eu realmente poderia ser eu mesma. Não precisaria seguir uma imposição. Então, a Ana Carolina poderia ser a Ana Carolina e seguir as ideias e os pensamentos dela. E isso, para mim, é primordial.

Mas a abordagem partiu do Podemos? Foram eles que te procuraram?

Eles que procuraram.

Isso ocorreu em 2024?

Olha, já estava bem perto do prazo final para a filiação [em abril de 2024]. Tudo na minha vida se transformou em 2024: eu saí do banco, acho que foi uma conciliação, isso no mês de abril, no final de março, não me lembro a data. Fui muito resistente a todos esses convites, mas lembro que me filiei no último dia da filiação, ainda com muita resistência à política, já que eu vim do mundo corporativo.

O convite veio da Renata Abreu [presidente nacional do Podemos], eu tive um almoço com ela, as conversas aconteceram e a gente pôde se conhecer, conversar melhor, ela me explicou um pouco sobre o partido e o partido me acolheu. Pude mostrar a ela que eu queria ser eu mesma e ali naquele almoço a gente chegou a essa conclusão de que isso poderia acontecer.

A senhora falou sobre poder prezar pela sua independência em relação ao partido. Isso significa que a senhora pode votar contra outros colegas do seu partido, caso surja uma questão com a qual vocês não concordem?

Com certeza. Isso eu já deixei bem claro. Óbvio que nós, enquanto bancada, somos uma força. A gente quer se unir. Mas é óbvio que se houver algum projeto que esteja contra as minhas pautas, ou contra o que os meus eleitores me deram de voto de confiança, eu não vou conseguir compartilhar.

O mesmo vale para a gestão Nunes? Porque o Podemos faz parte da base aliada, mas há um receio do entorno do prefeito de que ele não tenha uma maioria tão folgada, justamente porque alguns partidos da base têm vereadores que se declararam independentes.

Olha, o partido está na base do governo. Eu creio que a gente possa trabalhar junto e espero que isso aconteça. Mas como eu disse, é óbvio que se houver alguma pauta, algo que seja contra o que eu acredito, o que eu prego, e que vá contra o voto de confiança que meus eleitores me deram, aí não tem como a gente estar junto.

Durante a campanha, a senhora até gravou alguns vídeos de apoio ao Ricardo Nunes. Já conversou ou discutiu algum projeto com ele?

O meu vídeo com o Ricardo Nunes veio no segundo turno. Durante a minha campanha para vereadora, eu não fiz vídeos com o Ricardo Nunes. Eu realmente procurei fazer um trabalho na rua, de mostrar quem era a Ana Carolina, quem era a candidata para quem eles poderiam e deveriam dar o seu voto de confiança.

Realmente, dei o meu apoio ao Ricardo Nunes, reforço, e recebi muitas críticas por conta disso. Acho que não por ideologia, mas recebi até comentários de que eu estava enganando os meus eleitores. Mas, talvez muitos eleitores aqui de São Paulo não soubessem que o candidato da oposição ao Ricardo era um deputado federal que já teve pautas que não me favoreceram, nem enquanto eleitora e nem como pessoa.

Pode dar um exemplo?

A questão da saidinha. Isso [apoio ao Nunes] não foi algo que eu montei ou criei uma estratégia, foi algo que eu, Ana Carolina, tinha como ideia. Não posso ser a favor, estar ao lado ou votar em alguém que foi contra o veto da saidinha. Principalmente a pauta que mais impacta a minha vida. Meu apoio foi bem claro ao Ricardo também em relação a isso. A questão da saidinha para mim é um fator crucial e muito importante. Ele [Boulos] é alguém que vota e que determina leis, que hoje tem esse poder de determinar leis que não me favoreciam.

5 imagensAna Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SPAna Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SPAna Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SPAna Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SP1 de 5

Ana Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SP

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Ana Carolina Oliveira (Podemos) em seu gabinete na Câmara de SP

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No caso das saidinhas, falando sobre o Alexandre Nardoni, que está em regime aberto, como a senhora enxerga essa autorização para que ele passe férias na praia com a família dele?

Eu acho um absurdo. Acho um absurdo existir essa lei da saidinha. A partir do momento em que um criminoso comete o crime, ele precisa pelo menos cumprir a pena em sua totalidade e em regime fechado.

“Agora, já depois de 16 anos, ter o benefício de estar solto, ter o benefício de poder viver assim como nós, cidadãos que não cometemos crimes, poder viajar, poder ter uma vida maravilhosa…”

Eu acho que muitas pessoas na nossa cidade, no nosso estado, no nosso país, não têm condições de viver como ele vive, porque vivem em situações de mais vulnerabilidade, em situações de pobreza. Ele realmente vive uma vida muito boa, muito confortável. Não quero que as pessoas entendam como inveja. Porque diante de tudo o que eu passei, ainda sou obrigada a ouvir isso. E não é uma questão de inveja, é uma questão de consenso, coerência. Eu acho que a pena tinha que ser cumprida na sua totalidade, pelo menos.

O tema da saidinha, de execução penal, não está no âmbito do município, mas sim no federal. Mesmo assim, pretende trazer essa agenda para o município, seja nos seus discursos, ou apresentando algum projeto de lei que dialogue com essa ideia?

Eu não vou mais ser beneficiada por qualquer mudança de lei. Mas já me deixa muito feliz saber que outras pessoas possam ser beneficiadas. Entendo que hoje isso não está na minha alçada, mas acho que parcerias com deputados, conversas e estreitar esse relacionamento é de extrema importância para que saibam da importância. Todas as vezes que eu tiver a oportunidade, eu vou falar com o cidadão, não só como vereadora, e trazer essas pautas e tentar restringir isso dentro da nossa cidade, esse fluxo, essa liberdade que existe para esses faceiros.

Em relação aos deputados, a senhora já chegou a conversar com algum deputado federal sobre essa questão da saidinha? Ou até pensando em uma forma de complementar o seu mandato?

Eu tenho um diálogo muito aberto com o Delegado Palumbo, que é deputado federal [pelo MDB], que vota a favor [do veto à saidinha]. É uma pessoa que está alinhada, que pensa como eu. Essa conexão já existe, e saber também do engajamento dele nas votações para mim foi muito importante. Sei que hoje existe uma maioria querendo votar para que isso não aconteça mais.

Essa pauta das saidinhas é mais levantada pela direita. A senhora se considera de direita?

Eu me considero uma pessoa que vai lutar pelas causas do povo, que vai atender a demanda de um município. A pessoa que bater aqui na minha porta, que precisar de ajuda, uma mulher vítima de violência, uma uma criança abusada, eu não vou dizer a ela: 'Desculpe, não posso por causa da sua ideologia ou de quem você votou'. As causas que eu levo são causas do povo. Independentemente do que eu acredite ou de alguma ideologia que eu tenha, hoje eu estou aqui para verear pelo município, que me deu o seu voto de confiança. Eu também tenho certeza que entre os meus votos, 129 mil votos, tive votos de todos os lados. Acho que vou abranger de tudo, porque essa pauta realmente é de todo mundo. Ela não está na esquerda ou na direita, ela está em todo lugar.

Entrando nas suas pautas, a senhora já tem algum projeto que queira apresentar? Qual vai ser o seu cartão de visita na Câmara?

A minha principal pauta foi a violência infantil e o cuidado psicológico de crianças. Essa foi a base da minha campanha. Já estou estruturando aqui, dentro do meu gabinete, que a gente já tenha um projeto aprovado. Falei muito sobre os psicólogos em escolas, vou dar fundamento a esse projeto para que ele seja efetivado, para que a gente tenha esse atendimento. Se a gente não cuidar das crianças que sofrem abusos e não der esse amparo aos familiares, a gente não vai ter uma sociedade melhor. Também pretendo entrar na causa de crianças atípicas, na abordagem dentro das escolas, a aceitação, a discriminação que hoje acontece. Estou na minha segunda semana de Câmara, mas as coisas já estão mudando muito mais até do que eu imaginei que pudesse.

Como é que a senhora recebeu a notícia de que foi a segunda vereadora mais votada da cidade, a terceira mais votada no país?

Eu fiquei muito feliz, óbvio, e muito grata. O trabalho não foi fácil, esses 45 dias de campanha foram intensos, eu fazia visitas esporádicas à minha casa, tanto que o meu filho falou: 'Mãe, você pode não ser mais vereadora?'. Acho que ele entendeu a campanha como profissão.

Eu falei para muita gente na rua que eu achava que poderia ter alguma chance de ser eleita, mas a gente fez o trabalho direitinho, uma campanha bem enxuta, firme, com muito amor e muito respeito. É emocionante receber tantos abraços, tantos pedidos, tantas coisas legais de pessoas que realmente queriam que eu estivesse aqui. Fico ainda mais feliz em saber o que eu represento e que cheguei nesse lugar de mulher mais votada no país. Para mim, é muito significativo e mostra o tamanho da responsabilidade que vou ter aqui no gabinete.

Como a senhora tem buscado as pessoas que estão no seu gabinete? São indicações do partido, pessoas da sua trajetória profissional e pessoal?

Procurei fazer um gabinete extremamente técnico. Tem pessoas que já são antigas, com quem cruzei depois de eleita, mas procurei trazer pessoas que estivessem comprometidas, na mesma direção que eu, que é fazer o bem. Tenho pessoas que já estavam comigo antes da campanha, na minha trajetória como Ana Carolina Oliveira. Também fiz entrevistas, procurei conhecer… Não teve ninguém pedindo para colocar ninguém aqui, nada disso.

A senhora chegou a conversar com parentes de outras vítimas que também acabaram enveredando pela política, como o Ari Friedenbach (pai de Liana Friedenbach, morta em 2003) e o Leniel Borel?

O Leniel é uma pessoa com quem converso, mas esse ano ainda não nos falamos – essa questão de posse já foi tomando a gente –, e com esse outro candidato eu não conversei. Dentro dessa pauta, quem eu conheço é a Keiko Ota, que é do mesmo partido que o meu, já foi deputada, mas procurei realmente levar para a campanha e trazer para cá o que eu idealizava para mim e o que eu, enquanto eleitora, esperaria de um vereador.

A senhora evocou bastante a memória da Isabella durante a campanha. Pretende homenageá-la de alguma forma no mandato, seja com o nome em um projeto de lei?

Eu acho que o nome dela já é enorme. O nome dela é muito grande e é óbvio que o nome dela é o que me trouxe aqui, o nome dela é o que me elegeu, o nome dela é o que faz o meu nome. Hoje as pessoas conhecem a Ana Carolina Oliveira, mas nunca vou deixar de ser a mãe da Isabella. Então, eu tenho essa ideia e acho que, [em] breve, as novidades podem surgir com esse grande nome.

Como é, depois de 16 anos, continuar sendo conhecida como a mãe da Isabella Nardoni?

É um prazer, uma honra. Essa conexão nunca vai deixar de existir. O que eu procurei mostrar para as pessoas é que,por trás da mãe da Isabella Nardoni, existe uma mãe, uma mulher que tem a sua posição, a sua opinião e é o que eu procurei mostrar para as pessoas, para que elas me conhecessem, para que soubessem que não era somente uma pessoa frágil, com aquela ideia de mãe da menina, que durante muitos anos eu levei.

Como eu digo, é uma honra e um prazer poder [ser a mãe da Isabella], mas que as pessoas hoje pudessem saber também quem era eu. Mas eu levo esse nome, esse cargo de mãe da Isabella com muita honra. Eu repito: foi ele que me trouxe até aqui. Infelizmente foi por uma tragédia, poderia ter sido por um grande sucesso, mas não foi. E que eu vou honrar até o último dia da minha vida.