São Paulo – Três dias depois da enchente que atingiu o Beco do Batman e matou um artista plástico na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, o prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que vai retomar o projeto de um piscinão no bairro.
A estratégia faz parte de uma receita usada há décadas pela administração municipal paulistana para conter a água das chuvas de verão: a criação de reservatórios que armazenam parte do volume que cai com as tempestades e controlam o escoamento da água na sequência, com o objetivo de evitar inundações.
Ao todo, são mais de 50 piscinões espalhados pelas cinco regiões da cidade. Mas será que os reservatórios são, de fato, a melhor solução para resolver o problema das áreas que sofrem com enchentes?
Leia também
-
São Paulo Moradores bloqueiam via com fogo em protesto após enchentes em SP
-
São Paulo Após morte em enchente, Nunes quer retomar piscinão na Vila Madalena
-
São Paulo Artista plástico que morreu em temporal pintou quadro sobre enchente
-
São Paulo Caos em SP: tempestade provoca enchentes e desabamentos
O Metrópoles fez a pergunta para três especialistas no assunto: Kazuo Nakano, professor do Instituto da Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Paulo Pellegrino, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP); e Filipe Falcetta, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Para todos eles, os piscinões não podem ser encarados como uma solução definitiva para as enchentes e devem ser utilizados ao lado de outras iniciativas de drenagem.
Ponte de safena
"É que nem uma ponte de safena num infartado: funciona, mas o sujeito não está mais com saúde. É uma solução artificial que vai dando uma sobrevida, mas não é a solução definitiva", afirma Paulo Pellegrino.
O urbanista diz que os reservatórios são uma solução emergencial, mas não atacam o problema da impermeabilização do solo na cidade e os gargalos históricos no desenvolvimento das estruturas de drenagem da capital paulista. Questões que, segundo ele, ficam ainda mais latentes com as mudanças climáticas.
"O piscinão é projetado para um volume específico de água. Se você tem mais água do que foi projetado vai transbordar. Ele também precisa ter tempo para esvaziar e encher com a próxima chuva. Se vierem duas chuvas muito próximas, ele já está cheio, ele não consegue armazenar mais água. Então, vai ser sempre uma solução precária".
Para Pellegrio, a melhor forma de resolver o problema das enchentes é ter uma cidade com uma infraestrutura verde, "como uma cidade esponja", que possa desacelerar a velocidade com a qual a água das chuvas escorre para áreas mais baixas da cidade. Na última semana, o Beco do Batman foi tomado pela enchente em apenas 17 minutos.
"Em uma bacia natural, onde tem floresta, campo, outros solos e vegetação, você vê que a água não desce de uma vez só, ela vai descendo aos poucos. Mas se você substitui essa área natural por superfícies impermeáveis, como coberturas, pavimentos, asfalto, etc., a água que cai vai rapidamente escoando para baixo", explica ele.
8 imagensModelo ultrapassado
O professor Kazuo Nakano vai na mesma linha. Para ele, os piscinões devem ser encarados como parte de um conjunto de soluções para evitar as inundações e os alagamentos nos bairros, mas o modelo precisa ser repensado, especialmente considerando as mudanças climáticas.
"Os piscinões são projetados em função dos momentos de maior chuva, das grandes chuvas que acontecem de tempos em tempos. Só que com as emergências climáticas, esse período de retorno das chuvas mais intensas está diminuindo, e a intensidade e o período de duração dessas chuvas está mudando. A gente tem que redefinir, replanejar e avaliar esses piscinões em função dos novos regimes de chuva que a cidade está passando a ter".
Kazuo destaca que além de repensar quando fazer os piscinões, é preciso também rever o modelo da obra.
"Quando você tem chuva e as águas escorrem pra essa grande bacia de concreto a céu aberto, carregando lixo, entulho, isso se acumula e fica ali durante semanas, gerando vetores transmissores de doenças, atraindo diversos animais e provocando mau cheiro".
Ele defende que os futuros piscinões sejam, na verdade, lagoas de retenção, integradas a áreas verdes e com solos permeáveis. Em resumo, um parque que possa ser utilizado pela população em momentos de seca e funcione para reter a água no verão.
"Essas áreas, se elas forem pensadas urbanística e paisagisticamente, podem ser um gramado para área de lazer, um campo de futebol, uma pista de corrida. O conceito dos piscinões [como obra de concreto aberta] está obsoleto, ultrapassado".
Preço alto
O engenheiro civil Filipe Falcetta explica que apesar de atenderem bem a demanda de reservar uma grande quantidade de água em uma quantidade pequena de tempo, mas "o preço dessas obras [dos piscinões] é alto em vários aspectos".
"Ele é alto no aspecto social e no aspecto ambiental, porque você não tem só água, você tem lixo, sedimento, várias coisas chegando ao mesmo tempo nessas estruturas, o que torna elas muito caras para construir e muito caras para manter".
Filipe concorda com os colegas e diz que a cidade deveria aumentar a quantidade de áreas verdes e permeáveis, mas alerta que sozinhas as áreas verdes também não resolveriam o problema.
"As áreas verdes contribuem muito, ajudam muito, mas na situação em que a gente tem um grande declive e um grande volume de água, só as áreas verdes não são suficientes. Precisaria ser uma combinação de ações".
Ele defende que os grandes reservatórios, quando necessários, sejam feitos embaixo de praças, como é o caso do piscinão do Pacaembu, construído abaixo da Praça Charles Miller.
Metropoles