Conheça o artista surdo que viralizou ao traduzir shows para língua de sinais

.

Conheça o artista surdo que viralizou ao traduzir shows para língua de sinais
O g1 conversou com Leo Castilho e Erika Mota, sua parceira de trabalho. Eles fazem a tradução em libras dos shows de Liniker, Luedji Luna, Don L e Cátia de França no Festival Unaé, que acontece neste fim de semana no Crato, Cariri cearense. O g1 conversou com o artista surdo Leo Castilho, que está participando do Festival Unaé, no Crato.

Gabriela Garcia (@gabipcd)

Que o corpo comunica não há dúvidas, mas Leo Castilho e Erika Mota vivem isso na pele, ou melhor, na ponta dos dedos. A dupla foi convidada para participar do Festival Unaé, que acontece durante este fim de semana no Crato, e vão fazer a interpretação em libras dos shows de Liniker, Luedji Luna, Don L e Cátia de França.

Surdo desde os nove meses, Leo encontrou a arte aos 10 anos e incorporou a música quase como uma forma de respirar. Ainda pequeno, ele já trabalhava com teatro musical e fez cursos de flamenco, sapateado e balé. Em 2022, viralizou no Rock in Rio, quando fez interpretação de shows. Sua dança e originalidade chamaram atenção.

LEIA TAMBÉM:

Liniker, Luedji Luna, Don L e mais: Cariri cearense recebe festival gratuito de 26 a 29 de outubro

Fim de semana no Ceará tem festival no Cariri, mostra de cinema em Fortaleza e mais

Já Erika, que é ouvinte, começou nas libras como voluntária e está há mais de dez anos na profissão. Foi ela, inclusive, que ajudou o g1 a se comunicar com o Leo.

Leo e Erika fazem tradução do show de Luedji Luna. Vídeo: Estúdio Voa.

'É a primeira vez que a gente está aqui no Cariri. Sei que mais de 90% do festival é acessível. Na hora do evento, o Leo fica no palco em alguns shows e eu fico embaixo como feeder dele', explicou Erika.

Confira as atrações do festival caririense.

Divulgação

Entenda:

O 'feed' atua como um espelho do intérprete que está atuando. Isso é muito comum quando existem profissionais surdos que não têm acesso à informação via audição (caso do Leo).

'O intérprete ouvinte que não está em cena, em cima do palco, pode estar na plateia interpretando enquanto o intérprete surdo está reproduzindo a sinalização', explicou o professor de Libras Marcos Antônio.

Os dois são parceiros em diversos projetos, como Slam do Corpo, Sarau do Corpo e também formações para criação de sinais para espaços culturais.

No caso do Festival Unaé, o convite surgiu a partir de Américo Córdula, o diretor, que já conhecia Leo. Jéssika Kariri, coordenadora de acessibilidade, fez tudo acontecer:

'É a primeira vez que isso está acontecendo, de uma mulher surda coordenar um núcleo de acessibilidade de um grande festival. É muito importante assumir esse lugar. A gente começou a pensar como seria fantástico ter uma pessoa que trabalha a partir do corpo, do rompimento da bolha, e trazer para o Cariri. O Leo vem quebrar a ideia de que pessoas surdas não têm o que falar', comentou Jessika.

Viajando visualmente com corpo

Festival Unaé investe em acessibilidade no Cariri. Na imagem, Leo e Erika.

Divulgação.

Leo Castilho roubou a cena no Rock in Rio em 2022 e você pode conhecer o rosto dele de lá. A leveza e espontaneidade com que conduz o corpo chamou atenção dos espectadores. De repente, Libras é dança e vice-versa.

Conforme explicou ao g1, a estratégia é mesmo a de 'incorporar' as letras das canções.

No caso do Unaé e de outras apresentações, a preparação para a interpretação de Leo e Erika funciona assim:

O artista envia as músicas para os intérpretes, que se reúnem para estudar, pensar na tradução.

Leo e Erika se conectam com a música o máximo possível para que a transmissão seja feliz. É preciso de pelo menos um mês de ensaio.

Quanto mais se conhece o artista, melhor é a interpretação. Leo, por exemplo, já interpretou canções da Liniker, então já existe uma facilidade.

Erika, que consegue ouvir as músicas, se concentra nesse trabalho. Leo busca os vídeos das canções. O visual ajuda bastante o trabalho dele, que tem nas músicas em inglês uma referência.

'A música aqui no Brasil ainda não é muito visual. Eu perdia muito. Aprendi muito sobre as letras de músicas internacionais. O português veio bem depois. Por conta da Elis Regina, me aproximei da música brasileira, foi muito impactante para mim. Eu vejo a música, vejo a letra, eu brinco com libras. Dá para viajar visualmente com o corpo', disse Leo.

A dupla confidenciou que as gírias nas letras do rapper Don L e algumas expressões regionais nas músicas de Cátia de França se apresentaram como desafios.

Um exemplo é o uso da palavra 'lazarina' na música Sustenta a Pisada.

'Sustenta a pisada/ Afia na caminhada/Na estrada tem tocaia, tem punhal e lazarina'.

Cátia de França

Divulgação/José de Holanda

Lazarina é o nome dado a uma espingarda usada por sertanejos nordestinos para a caça.

'A gente é de São Paulo, são culturas distintas, as palavras, o sotaque, os termos. É legal para mim também porque gosto muito de ler português, mas não escuto o sotaque. Quando vi a palavra, fiquei imaginando e comparando como seria legal o surdo daqui ver essa palavra, a língua de sinais daqui, as gírias daqui. É uma viagem, aprendi mais com essa troca', explicou Leo.

Para os intérpretes, mais acessibilidade é urgente

Leo Castilho também faz um trabalho de conscientização nas redes sociais.

Com todos esses anos de carreira, Leo Castilho e Erika Mota chamam atenção para o assunto da acessibilidade e do quanto ainda é urgente dar possibilidade para que pessoas surdas ocupem espaços.

O Festival Unaé pode ser um grande exemplo para o restante do Brasil, segundo eles - que estão animados com o que o futuro pode reservar para o Ceará.

'Isso aqui pode ser um ponto de encontro das pessoas surdas, cegas', disse Leo.

Para que o trabalho dos intérpretes seja viabilizado, alguns pontos de atenção precisam ser considerados. A organização dos festivais e quaisquer outros espaços devem se preparar para receber o novo público.

Leo exemplifica: 'Primeiramente preciso entender qual é o tipo de música, o estilo, a linguagem. O rap, por exemplo, tem diversidade, não é monotemático. O que eu espero é que o mundo da música entre no meu mundo. O certo seria o artista contratar um intérprete do próprio grupo, por causa da letra, intimidade, parceria. Todas as bandas musicais deveriam ter cada um seu intérprete'.

Além de aproveitar a boa comida e a 'quentura' do Cariri, a expectativa da dupla é que o trabalho seja multiplicador para que novos profissionais se inspirem.

'O principal é mostrar a língua de sinais, o surdo', concluiu Erika.

'É legal ver ouvinte e surdo juntos, não é?', perguntou Leo. 'O mundo precisa ver isso', concluiu.

Leo Castilho tem 34 anos, mas desde os 10 vive no mundo da arte. Ele viralizou ao juntar Libras e Dança.

Samuel Macedo/Divulgação

Assista aos vídeos mais vistos do Ceará: