Ninguém gosta de esperar por ninguém – sobretudo a pessoa que chega tarde. A pessoa que chega tarde, doravante designada de crápula, é a pessoa capaz de fazer tudo para não esperar.
A cabeça dela funciona assim: “O que é mais rápido? Chegar tarde e gastar meio minuto a dar uma desculpa, ou esperar 15 minutos?”
O atraso não é só cronológico: é civilizacional. Quem chega atrasado ainda acha que é aceitável dispor livremente do tempo dos outros. Quando são cem pessoas a esperar 15 minutos, são 1500 minutos de desconsideração: 24 horas, mais uma hora só para arredondar.
“Eles que esperem!” é dito com risinhos triunfais, como se os esperadores fossem uma colónia de formigas e o atrasado fosse 250 de fiambre. O que os atrasados não sabem é que há uma maneira muito mais subtil de mostrar o desprezo: é chegar muito cedo.
Quem chega muito cedo mostra que está doido para se ir embora à primeira oportunidade. Chega cedo para fazer um frete singularmente perverso: poder esperar por quem chega a horas.
Pobres inocentes que chegam a horas: a pontualidade deles é o cúmulo da boa educação, ou seja, da consideração pelos outros. Mas quando perguntam aos adiantados se “já chegaram há muito tempo?”, estes resmungam “Já cá estou há uma hora!”, como se alguém tivesse culpa disso.
Os adiantados mais batidos, que já têm muitos anos de chegar duas horas antes do que estava combinado, gostam de dizer, mal chegam, este disparate que tem a vantagem deliciosa de nunca ser posto em causa: “Vim mais cedo porque tenho de me ir embora mais cedo.”
Chegando cedo, garantem a solidão. Os anfitriões – com um pouco de sorte, atrasadíssimos – andam entretidos nos preparativos.
Arrumam-nos num sofá com uma garrafa de vinho e uma pilha de livros e, num passe de magia, esquecem-se que lá estamos. Não deixe que lhe digam o contrário: chegar cedo também é uma desconsideração. Com um bocado de sorte, consegue pisgar-se antes que chegue o primeiro dos atrasados.
(Transcrito do PÚBLICO)
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