G1 nacional
O que poderia ser apenas a venda de roupas usadas, se tornou um negócio voltado ao resgate da autoconfiança feminina, a adoção de moda sustentável e, principalmente, ao consumo consciente, por meio da moda circular. Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizNo momento em que o mundo discute estratégias para buscar soluções para a crise climática na Cúpula do Clima da ONU (COP 28), realizada de 30 de novembro a 12 de dezembro, é cada vez mais importante que cada pessoa faça a sua parte em reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEEs), que resultam no aquecimento global e em alterações climáticas.COP 28 atrai US$ 777 milhões para combater doenças tropicais que devem piorar com aumento das temperaturasEmbora pareça ser um assunto para governos, entidades, cientistas, a preocupação com as mudanças climáticas deve ser uma tarefa de todos. E uma das formas de cada pessoa ajudar é por meio da reciclagem e da reutilização de produtos. Leia também:Gases de efeito estufa atingem novo recorde, e impactos climáticos aumentam, alerta ONUPela 1ª vez, mundo registra um dia com temperatura média global 2°C acima da era pré-industrialTerra está perto de atingir 5 pontos de não retorno: o aquecimento global tem culpa nissoE foi com essa consciência ambiental que a maranhense Jacirene França decidiu se lançar em uma missão que agrega empreendedorismo e sustentabilidade. Há cerca de quatro anos ela largou o emprego de consultora em processos industriais, em uma instituição privada, e abriu um brechó, na cidade de Paço do Lumiar, na Região Metropolitana de São Luís. Empreendedores do MA apostam na economia circular para obter renda e contribuir com a sustentabilidadeO que poderia ser apenas a venda de roupas usadas, se tornou um negócio voltado ao resgate da autoconfiança feminina, ao empoderamento, a adoção de moda sustentável e, principalmente, ao consumo consciente, por meio da moda circular.Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizUm ideal que nasceu na infânciaEm entrevista ao g1, a empreendedora conta que, desde a infância, já se via envolvida no consumo de roupas usadas. Nascida no interior do Maranhão, na cidade de Buriticupu, a 417 km de São Luís, a empresária teve uma infância humilde e contava com a doação de roupas usadas para se vestir."Desde criança, morando lá no interiorzinho do Maranhão, a gente recebia roupa de parentes e era uma alegria muito grande. Eu tinha em torno de 5 a 6 anos, eu lembro de que meu sonho era usar uma calça com bolso e eu ganhei um macaquinho e fiquei muito emocionada. E essa lembrança vem de uma forma muito especial para minha vida".Além das roupas usadas, Jacirene teve contato com a costura logo cedo, pois a mãe dela decidiu trabalhar com costura, mesmo sem ter estudo ou experiência, para poder criar os filhos. E foi desse contato com a reutilização de roupas, calçados e a costura artesanal, que Jacirene foi construindo um ideal de empreender nesse ramo."Eu venho construindo minha trajetória profissional sempre ali dentro desse universo da roupa. Todas as minhas experiências se somaram para eu chegar à decisão de empreender com brechó. Isso faz parte da minha vivência, da minha história, das minhas experiências profissionais, da mentalidade que eu tenho", destaca.Entre 2014 e 2015, após participar de um projeto sobre moda, foi que Jacirene começou a ter contato com pesquisas e tendências de mercado, em que a moda circular se sobressaia enquanto modelo de consumo consciente em meio a uma indústria marcada pelo descarte. Jacirene participou da coordenação do Inova Moda, ação do Senai em parceria com o Sebrae. A experiência fez com que ela decidisse empreender com o propósito de contribuir com as pessoas e o planeta, mais do que somente obter lucro."Pretendemos sensibilizar as pessoas. Cada um tem um papel importante e pode contribuir e muito", defende. Com essa nova visão, a consultora decidiu que queria trabalhar com moda circular."Nesse período, em 2015, eu passei a ter uma visão mais ampla sobre o mercado de moda em geral, desde a pesquisa de mercado e comportamento de consumo e tendência, até o varejo e o pós-consumo. E nesse período a gente já ouvia falar de moda circular e eu me encantei pelo tema e comecei a estudar muito e passei a ter uma visão muito diferente sobre o mercado de moda e de brechó, que havia uma tendência de crescimento até 2028. O que está sendo confirmado, porque os brechós têm crescido muito", relata.Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizE foi a partir dessa nova visão, que Jacirene decidiu empreender, trabalhando com brechó. Porém, antes de largar tudo e abrir o negócio, ela investiu nos estudos. Nessa ápoca, a maranhense tinha concluído um mestrado na área ambiental e passou a estudar sobre economia circular.Durante três anos, Jacirene França permaneceu no emprego e, paralelo a ele, ficou estudando, desenhando o modelo e planejando seu brechó, até que em dezembro de 2018, ela pediu demissão e começou seu negócio em 2019.Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizOs estudos e a dedicação em empreender renderam a Jacirene França um excelente currículo. Ela é designer e especialista em moda, consultora em processos industriais e personal stylist, Mestre em Engenharia Ambiental, doutoranda em Engenharia Ambiental, MBA em Gestão de Processos Industriais, empresária e apaixonada pelo empreendedorismo no pós-consumo.Vencendo a pandemiaNo início dos negócios, entre 2018 e 2019, o Brechó Mulheres funcionou apenas de forma online e, no final de 2019, Jacirene inaugurou a loja física, porém, veio a pandemia. Mas, o que poderia ser um fator que comprometeria o andamento do negócio recém-criado, tornou-se uma oportunidade."Nós fechamos as portas, mas continuamos trabalhando, foi o ano que a gente mais trabalhou, porque busquei saídas dentro do meu conhecimento. A gente não conseguiu vender roupas, mas consegui confeccionar, fazer máscaras, consegui pegar roupas usadas e customizar e das sobras eu fazia máscaras. Isso foi uma estratégia que deu muito certo. A gente trabalhou o ano de 2020 inteiro. Então, 2020 e 2021 foram anos de crescente e, 2022, foi o melhor ano da minha vida, vendemos demais, conseguimos crescer mais de 150%. E em 2023 estamos na luta, sempre se reinventando, criando estratégias e sim a gente tem conseguido crescer e é um negócio que a gente tem metas e sabe onde quer chegar", destaca.Consultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizUma grande aposta da empreendedora é investir na divulgação pelas redes sociais. A empreendedora conta que, no início ela tinha muita dificuldade em se mostrar nas redes para divulgar seu negócio, mas se capacitou, por meio de uma imersão, que a fez quebrar essa barreira e entender que precisava dar a cara, se soltar mais, fazer o seu negócio de uma forma diferente. Desde então, Jacirene planeja o conteúdo, grava, edita, publica, faz tudo para conquistar seu público na internet."A gente tem sempre buscado estratégias, observando o que está acontecendo e tentando aplicar ao negócio. A gente fez lives e conseguimos alcançar diversos clientes no Brasil inteiro. A gente faz duas lives por semana, sempre com tamanhos diversos, estilos diversos e com muita informação. Então eu agrego muito o conhecimento que eu tenho com tecido, modelagem, acabamento, isso faz muita diferença".Vencendo o preconceitoConsultora deixa emprego formal para abrir brechó: 'é mais que vender roupas usadas, é empoderamento, moda sustentável e consumo consciente'Robson DinizQuando se fala em brechó ainda há quem não goste de utilizar esse tipo de produto por "vergonha de usar coisa usada". E foi esse tipo de desafio que Jacirene precisou vencer quando decidiu abrir sua loja, pois, apesar de ter começado seu negócio no momento em que se discute a necessidade de consumo consciente, a empresária destaca que muitas pessoas ainda não têm uma "mentalidade aberta" em relação ao brechó."Tem aquelas pessoas que já têm uma visão sobre o mercado e não usam por conta de crenças limitantes, por conta de preconceitos diversos, elas não se aproximam mesmo, elas mantêm aquela barreira e elas não se dão a oportunidade de conhecer quem a gente é. A gente tem muito desafio ainda, tem muito caminho a percorrer, não mudou muito. Tem mudanças, mudanças estão acontecendo, mas a passos lentos. E a gente tem enfrentado muitas dificuldades", relata.Mas, apesar dessas barreiras, Jacirene afirma que a paixão que tem pelo seu trabalho a motiva a continuar investindo em moda circular. A empresária destaca que não desistiu do seu negócio porque optou trabalhar naquilo que ela conhecia."Eu apostei no meu conhecimento, apostei no amor que eu tenho por esse universo da roupa, por acreditar que o mercado de moda precisa focar muito no pós-consumo. A gente tem muita responsabilidade em relação a tudo isso que tá acontecendo, em relação a esse mercado que cada vez mais é descartável", afirma.A bandeira levantada pela empresária tem respaldo nas diversas pesquisas que apontam a moda como sendo a segunda indústria que mais consome recursos hídricos e é responsável por 10% de toda a emissão de carbono do planeta.E em meio a esse caos gerado pelos gases poluentes na atmosfera que tem feito o mundo sofrer com altas temperaturas, investir em moda circular se tornou uma forma de tentar reduzir esses efeitos catastróficos.Atualmente o slow fashion é tendência e é um movimento que vai na linha contrária do Fast Fashion, que é a produção em larga escala de produtos de moda, o que contribui para o desperdício. O objetivo do slow fashion é reduzir o consumo de roupas, pois elas poluem o meio ambiente.Mas, Jacirene analisa que esse tipo de consumo não se refere apenas a usar roupas e sapatos usados, é um movimento que precisa ser planejado."As pessoas precisam entender que moda circular não é só a moda que vai circular entre parentes ou quando você descarta e manda para o brechó. Essa moda precisa ser pensada, planejada. A pessoa tem que ter conhecimento sobre o que vai escolher, que não são apenas os brechós. Os brechós não irão resolver o problema de descarte da quantidade de roupas cada mais descartadas em virtude desse modelo de moda que temos, que é o fast fashion, que produz cada vez mais, que não consegue vender tudo e o que sobra eles descartam de qualquer maneira. O conceito de economia e moda circular precisa ser consciente, precisa ser estratégica e coletiva", avalia.Microempreendedora individualAlém da preocupação em contribuir com um planeta mais sustentável, Jacirene também tem o objetivo de crescer profissionalmente no mercado de moda circular. Desde que pensou em criar o brechó, a empresária afirma que entendia a importância de formalizar seu negócio. Para isso ela se registrou como Microempreendedora Individual (MEI), passando a ser uma profissional autônoma.Por meio do MEI, o empreendedor passa a ter um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o que permite a emissão de notas fiscais, facilidade na abertura de conta bancária e pedidos de empréstimos, além de ter os direitos e deveres de uma pessoa jurídica.O MEI também tem benefícios previdenciários como aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio-reclusão, pensão por morte).Pensando em se tornar um MEI? Veja o que você precisa saber antes de abrir sua empresaUm outro importante benefício para o microempreendedor individual é poder contar com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que oferece cursos, oficinas, capacitações, palestras, consultorias, planilhas e aplicativos para auxiliar tanto o microempreendedor individual, como micro e pequenas empresas, além de quem pensa em abrir seu negócio. "Benefícios e oportunidades são perdidos quando se está na informalidade. Não fazer a emissão de notas fiscais pode acabar fazendo a empresa perder clientes e ter acesso negado a créditos especiais em bancos, além de contribuir para o aumento da informalidade trabalhista também, o que pode causar graves problemas para a empresa", ressalta Marina Lavareda, gerente de Atendimento do Sebrae Maranhão.Jacirene conta que já conhecia o Sebrae desde que trabalhou no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e sabia que ele atuava no apoio a negócios, a empreendedores e que poderia ter o Sebrae como parceiro."A gente que começa do zero, a gente precisa dessa mão, a gente precisa estar de mãos dadas, buscar uma instituição que pode nos fortalecer em todas as etapas. E o Sebrae tem feito parte do meu negócio e tem me ajudado muito", destaca Jacirene.Com o apoio do Sebrae, a empreendedora tem tido a oportunidade de participar de diversos projetos e eventos que têm contribuído com sua capacitação e o sucesso do seu negócio. "Em 2019 eu tive a oportunidade de fazer parte do projeto 'Delas', que é voltado para mulheres. Entrei no projeto de economia criativa e esses dois projetos me fortaleceram demais, me direcionaram a várias possibilidades, contatos, networking, capacitações, enfim, foi muito interessante. E eu nunca deixei de participar. Recentemente participei do Prêmio Mulher Empreendedora. Fui convidada para participar de uma palestra para me posicionar em relação ao tema 'economia circular', na Feira do Empreendedor, enfim, sempre que tem uma oportunidade eu faço parte, porque o Sebrae é uma instituição que nos dá muita base, acrescenta muito no nosso desenvolvimento, principalmente quem é MEI", analisa.Jacirene França em evento do Sebrae na Expo Indústria Maranhão 2023.Divulgação/Sebrae-MAEm meio ao seu processo de capacitação, o Sebrae tem investido nas discussões sobre moda circular. Um exemplo disso foi um bate-papo organizado pela instituição em seu estande na Expo Indústria Maranhão, realizada em novembro.Três mulheres, que realizam trabalhos expressivos em moda sustentável no Maranhão, debateram sobre a importância e os desafios enfrentados pelo segmento. Moda circular no MaranhãoSegundo o Sebrae, com dados da Receita Federal, no Maranhão há 82 empresas ativas com atividade econômica principal classificada como Comércio Varejista de Artigos Usados, que inclui brechós, assim como moedas e selos de coleção, revistas, livros, móveis, utensílios domésticos e eletrodomésticos de segunda mão. O Sebrae destaca que esse número aumenta consideravelmente se forem incluídas empresas que cadastraram o mesmo CNAE como atividade secundária. No total, são 1.026, dessas 748 Microempreendedores Individuais (MEIs), 233 Microempresas (MEs), 31 Empresas de Pequeno Porte (EPPs) e apenas 14 de médio ou grande porte.