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Política

Em iniciativa inédita, pesquisadores criam estratégia para salvar antas em ambiente rural

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Primeira ação ocorreu com viticultores, mas ideia é que instalação de barreiras físicas se estenda para outras culturas. Coexistência humano-fauna é fundamental para mitigar conflitos entre produtores e animais. Uma iniciativa inédita do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, que visa diminuir conflitos entre antas (Tapirus terrestris) e produtores rurais, tem gerado benefícios e é exemplo de que agronegócio e conservação podem caminhar juntos.

Em São Miguel Arcanjo (SP), pesquisadores instalaram cercas elétricas em duas pequenas propriedades de cultivo de uva com o objetivo de impedir o acesso de antas e outros animais às áreas de fruticultura. Além de beneficiar os produtores, a ação evita mortes de espécies por conta de prejuízo econômico.

A instalação de barreiras físicas nessas propriedades é fruto de mais de 15 anos de estudo das interações entre pessoas e fauna silvestre, o qual foi possível entender as percepções humanas sobre as espécies que existem na Serra do Mar.

"Fizemos um mapeamento das áreas onde ocorriam mais conflitos entre produtores e antas e percebemos que o entorno do Parque Estadual Carlos Botelho era um desses lugares . É uma região com grande disponibilidade de fruta por conta da proximidade com a floresta", explica a bióloga Mariana Landis, coordenadora do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar.

Cercas elétricas são adaptadas ao tamanho das antas para que elas não passem por cima e nem por baixo dos fios

Arquivo/Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar

Embora falar em cercas elétricas possa causar um estranhamento, elas não trazem riscos aos animais, apenas impedem a passagem dos mesmos. "A cerca que instalamos possui um perímetro de aproximadamente 350 metros. Elas são adaptadas ao tamanho das antas para que elas não passem por cima e nem por baixo dos fios, por isso utilizamos dois fios paralelos", enfatiza.

De acordo com a bióloga, os cercamentos utilizados nas propriedades de uva são os mesmos utilizados para o gado.

"Por se tratar de um animal de quase 300 kg, utilizamos eletrificadores para gado, que possuem a potência adequada para um animal de grande porte. A corrente contínua do choque elétrico ocorre por um período de tempo extremamente curto, o que impede que animais e pessoas fiquem presas nos fios da cerca. O choque tem a função única de afastar o animal e causa um pequeno desconforto".

A pesquisadora reforça a importância do sistema ser instalado de forma correta, para que seja eficiente. "Deve ser instalado com fios, eletrificadores, hastes de isolamento e aterramento apropriados ao tamanho da propriedade e tamanho e peso do animal", diz.

Além das antas

Para monitorar a efetividade da barreira física, foram instaladas armadilhas fotográficas que mostraram que, além das antas, outros animais como quatis e gambás estavam acessando a área de cultivo. Essas câmeras fornecem dados comportamentais das antas diante da barreira e ajudam a medir a sua eficiência.

Em São Miguel Arcanjo (SP), pesquisadores buscam formas de proteger antas e reduzir prejuízo financeiro de produtores rurais

Pedro Santana/TG

"Nossa equipe realiza ainda visitas periódicas nas propriedades para avaliar a estrutura e a frequência com que os proprietários estão mantendo as cercas ligadas. Com todas essas informações será possível observar se a anta é, de fato, a principal responsável pelo prejuízo na produção".

Com esse trabalho de mapeamento de conflitos em diferentes áreas e com outras espécies, como onça-parda, onça-pintada e queixada, há expectativa de ampliar a frente de atuação de coexistência humano-fauna em outras regiões da Serra do Mar e com outras espécies, já que os carnívoros também estão constantemente relacionados às situações de conflito.

Para a bióloga Mariana Landis, o mais importante diante desses resultados é que os produtores rurais participem ativamente do processo. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar pretende, inclusive, realizar um workshop, além de elaborar um guia de coexistência, com o objetivo de unir em um único material todas as informações necessárias para a solução dos conflitos.

Relação humano-fauna

Segundo Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil, organização apoiadora do programa, é difícil promover conservação sem olhar para o fator humano, mas há exemplos de êxito de boa convivência entre humanos e fauna em outras regiões do Brasil e até em outros países.

Ameaçada de extinção, anta é o maior mamífero do Brasil

Cristina Rappa/iNaturalist

"Esse projeto com as antas envolve realidades desafiadoras, pois de um lado temos pequenos produtores cuja subsistência depende da sua produção de forma parcial ou integral para incremento da renda. Esse produtor já enfrenta muitas intempéries até chegar na colheita", afirma a pesquisadora Mariana Landis.

"Então quando chega a época de colher, o fruto é o que ele tem de mais valioso e ele irá defendê-lo de todas as maneiras de possíveis 'ameaças'. A anta seria uma dessas ameaças. O problema é que a anta é uma espécie ameaçada de extinção, que já sofre com outras pressões além do abate por retaliação, como a caça ilegal, atropelamentos e perda de habitat", completa ela.

Nesse sentido, a coexistência humano-fauna deve ser tratada como questão humanitária e de sustentabilidade, pois busca olhar para essas duas realidades e encontrar um caminho em que elas são transversais, desenvolvendo as potencialidades e minimizando ou até eliminando conflitos.

Importância da espécie

A ação dos pesquisadores é de, sobretudo, proteger as antas, que estão ameaçadas e sofrem há anos com atropelamentos em rodovias, pressões de perda de habitat e risco de abate por retaliação de produtores rurais. Com a implantação das barreiras em São Miguel Arcanjo, é possível reduzir um dessas ameaças à espécie, que pode seguir sua vida livremente no ambiente.

Antas são importantes dispersoras de sementes, pois consomem elas inteiras e, ao defecarem, as espalham longe da árvore de onde vieram. Além disso, são conhecidas como jardineiras, sentinelas e também detetives ecológicas por se movimentarem a longas distâncias durante o dia, o que permite aos biólogos detectar riscos ambientais onde outras espécies existem.

G1 nacional

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